Foto de Ana Cotta
O mundo perde 13 milhões de hectares de florestas por ano, segundo dados da FAO (Órgão da ONU para Agricultura e Alimentos). De acordo com o Atlas da Mata Atlântica, da vegetação original deste bioma no Brasil, 93% já foram devastados. Em Minas Gerais, o Estado perdeu mais de 80% de vegetação nativa. Se para investidores estes são indicadores de desenvolvimento e saúde econômica, para os que lutam em prol das causas ambientais o desmatamento acelerado representa não só o declínio das sociedades humanas, mas uma praga para os ecossistemas.
Devastar ou preservar? O dilema da gestão florestal estimula o surgimento de novas plataformas políticas e planos de reformas de leis vigentes. Em Minas Gerais, o Projeto de Lei (PL) 2.771/08, altera dispositivos da Lei Florestal (Lei 14.309, de 2002, e artigo 7º da Lei Delegada 125, de 2007) para resguardar remanescentes florestais nativos.
As regras para o setor empresarial, de substituir o consumo de carvão de matas nativas por carvão de florestas plantadas, é uma pendência que se arrasta há décadas no Estado. Com a aprovação do PL, as empresas terão de reduzir o consumo de carvão de floresta nativa até o máximo de 5% em 2017. O cronograma de redução estabelece que, entre 2013 e 2016, o percentual máximo será de 10% e que novas empresas que se instalarem no Estado terão de comprovar o uso 95% de matéria prima proveniente de florestas plantadas.
Entre as principais novidades estão o maior controle do consumo de carvão vegetal originado de matas nativas e a aplicação de critérios mais onerosos para a cobrança da reposição florestal. Conforme o relator da matéria, o deputado Fábio Avelar, haverá prestação de contas trimestrais e quem romper o limite de consumo de carvão estará sujeito a multas.
A superintendente executiva da Amda, Maria Dalce Ricas, considera que as alterações sinalizam um avanço de gestão ambiental em Minas, uma vez que a Lei 14.309 permite o consumo de até 100% de carvão de origem nativa. No entanto, na opinião da superintendente, o ideal seria que o desmatamento fosse inteiramente proibido em áreas prioritárias para a preservação da biodiversidade, independente de sua finalidade.
Durante audiência pública que discutia o PL 2.771/08, (24/03), Maria Dalce propôs que o governo instituísse uma estratégia de ‘Desmatamento Zero’, como forma de assegurar a conservação das áreas originais de vegetação nativa que ainda restam no Estado. Sobre o tema proposto, o secretário de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), José Carlos Carvalho, em apresentação na Assembléia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), (16/04), disse que, no momento, as ações priorizam a redução da supressão de vegetação nativa e a ampliação de áreas de recomposição florestal.
José Carlos garantiu que os licenciamentos para a supressão de vegetação nativa no Estado devem diminuir numa extensão maior que a do ano anterior. “Progressivamente, vamos reduzir o desmatamento, tendendo a zero. O que evitamos é utilizar a expressão desmatamento zero. Preferimos trabalhar com o conceito de balanço zero. Um balanço tendendo a zero, para depois ter um balanço positivo”, justificou.
O secretário disse, ainda, que as Superintendências Regionais de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável farão, simultaneamente, acompanhamento das condicionantes e relatórios periódicos dos cumprimentos destas. A Semad promete disponibilizar essas informações também via internet.
Após a divulgação do balanço de ações ambientais da Semad, (16/04), Maria Dalce Ricas relacionou incongruências do Projeto Estruturador de Conservação do Cerrado e Recuperação da Mata Atlântica. Como exemplo, citou um caso recente de autorização para construção de uma estrada que liga a MG 030 à BR 040, onde boa parte da Mata Atlântica, em estado avançado de regeneração, já foi derrubada.
Quanto ao cerrado, Dalce disse que a Amda contabilizou, de janeiro até hoje, 59 autorizações ambientais concedidas para fabricação de carvão a partir de vegetação nativa. “Obviamente a maior parte está concentrada no norte do Estado. Devagarzinho, devagarzinho, o cerrado está sendo jogado no chão”, lamentou.
Foto arquivo Instituto Xopotó
ESPERANÇAS PARA UM CONVÍVIO SUSTENTÁVEL COM AS FLORESTAS
O “Bolsa Verde” é uma proposta de pagamento aos produtores rurais por serviços ambientais prestados e faz parte do Projeto de Proteção da Mata Atlântica do Estado, o Promata-MG. De acordo com a diretora de Áreas Protegidas do IEF, Nádia Aparecida Silva Araújo, o “Bolsa Verde” tem o objetivo de ampliar e conservar áreas florestais nativas.
Segundo Nádia, em 2008 foi destinada a quantia de R$ 1.200.000,00 para o programa e, em 2009, foi reservado o valor de R$1.500.000,00. “Em 2008 os repasses foram realizados através de projeto piloto em parceria com ONG’s e prefeituras. Para o ano de 2009, além do ‘Bolsa Verde’ estar em fase de regulamentação, com alteração prevista para o segundo semestre, estamos mantendo parcerias firmadas em 2008”.
Um exemplo é o “Projeto Agente Ambiental”, do Instituto Xopotó, em áreas remanescentes da Mata Atlântica, nas nascentes do rio Doce. Desde outubro de 2008, o Xopotó está promovendo geração de trabalho e renda com preservação ambiental para cerca de 200 famílias de 20 pequenos municípios das regiões Centro e Zona da Mata mineira.
A região é rica em recursos naturais e humanos, mas possui um dos menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do país e, para aqueles que ainda não estão inseridos no projeto, a lista de espera é grande. De acordo a com a Assessoria de Comunicação da organização, as nascentes estão sendo cercadas e reflorestadas, para que, em seguida, os proprietários passem a receber a ‘Bolsa Verde’. Conforme o Instituto, o início do pagamento para o projeto está previsto para 2010 e o valor ainda passa por avaliação.
Márcia Eléia
SETOR SIDÚRGICO RESISTE AO MONITORAMENTO ELETRÔNICO
Visto como a garantia de fazer valer as mudanças na legislação florestal, o monitoramento eletrônico tem recebido críticas do setor de ferro-gusa. Também previsto na PL 2.771/08, o monitoramento foi instituído pelo Decreto Estadual 45016/09 e obriga consumidores de carvão vegetal de essência nativa, plantada de eucalipto, ou manejada, a arcarem com os custos da instalação do serviço. Quem não se adaptar pode ser penalizado com multa que varia de R$ 50 mil a R$ 500 mil.
Em seu aspecto positivo, o monitoramento possibilita identificar cargas de outros estados, de áreas autorizadas ou de desmatamento clandestino. Os veículos serão monitorados por satélite, e um chip permitirá o acompanhamento da trajetória da carga identificando pontos desde a origem até o destino. Entretanto, os produtores de ferro gusa, maiores consumidores de carvão vegetal, alegam que estão vivendo uma crise e que pagar por estes serviços vai onerar ainda mais o setor.
Em nota, a Assessoria de Comunicação da Semad/IEF informa que a decisão foi construída a partir de ampla discussão entre o Instituto Estadual de Florestas (IEF), a Associação Mineira de Silvicultura (AMS) e o Sindicato da Indústria do Ferro de Minas (Sindifer). De acordo com o IEF, o custo do monitoramento representa 0,45% do valor da tonelada de gusa, isso em tempos de crise, e elimina despesas atuais, como guias de transporte, prestação de contas, apresentação documental e informação diária da entrada do carvão nas indústrias consumidoras.
O IEF desenvolve estudos desde 2003 para modernizar o sistema de controle, já que é de conhecimento público que a atividade possui histórico de acobertamento de carvão de origem nativa em Minas Gerais. “Notas fiscais de outros estados da federação são apenas algumas das formas que alguns produtores, transportadores e consumidores, se utilizam para driblar a fiscalização, promovendo e incentivando desmatamentos clandestinos e sonegando pagamento de taxas e tributos fundamentais para manutenção e ampliação da base florestal”, justifica a nota.
Também presente na exposição da Semad na ALMG, (16/04), o gerente de meio ambiente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), Wagner Costa, ponderou sobre a questão das novas regras e padrões ambientais. “A adaptação no setor industrial muitas vezes depende de condições tecnológicas e de recursos financeiros a tempo e à hora. Às vezes fico pensando que talvez a gente hoje não estivesse mais precisando de política ambiental. Nós estamos precisando é de política industrial, para que as indústrias possam se desenvolver atendendo as condições ambientais”, opinou.
Foto de Tatiana Cardeal
ALTERAÇÕES CONFLITUOSAS NO CÓDIGO FLORESTAL
A Frente Parlamentar da Agropecuária, formada por 208 deputados federais e 35 senadores, quer reformular o Código Florestal Brasileiro. Mesmo já tendo sofrido alteração por medida provisória durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, a Lei nº 4.771 está em vigência no país desde 1965. Em seu texto atual define áreas obrigatórias de reservas legais em propriedades rurais, que variam de acordo com a região e o bioma. Os percentuais de vegetação nativa que devem ser preservados dentro da propriedade são de 80% na região Amazônica, 35% nas regiões de Cerrado e 20% nas demais áreas.
Atualmente, tramitam cerca de 20 propostas no Senado e na Câmara para tentar modificar o atual Código Florestal Brasileiro. No entanto, o PL 6424/2005, do senador Flexa Ribeiro, que já sofreu 19 emendas parlamentares, pode ser o pontapé inicial rumo à radical mudança prometida pela bancada ruralista.
O PL 6424, que já passou pelo senado e está na câmara dos deputados para ser votado, permite que 30% da área da propriedade destinada à reserva legal possa ser reflorestada com espécies exóticas incluindo palmáceas, e que a compensação de reserva legal ocorra em outra bacia, no mesmo estado e bioma.
Um manifesto encabeçado por 15 ONG’s, entre elas a WWF – Brasil e Greenpeace, denuncia que, na prática, dispositivos como estes representam a redução da Reserva Legal na Amazônia para 50%, uma vez que o uso de espécies exóticas reduz funções ecossistêmicas das florestas nas propriedades privadas.
O ministro da Agricultura Pecuária e Abastecimento, Reinhold Stephanes também deseja a alteração da legislação florestal. Em recentemente encontro com os deputados e senadores que compõem a Frente Parlamentar da Agropecuária, o ministro apresentou documento com dez itens. Dentre as propostas, o ministro defende a produção agrícola em Áreas de Preservação Permanente (APPs) em várzeas, topos de morros e encostas e a inclusão das áreas de Reserva Legal dentro APPs.
Outro contra-senso foi à sanção do Código Ambiental de Santa Catarina, pelo governador Luiz Henrique da Silveira, (13/04), reduzindo a área de proteção de matas ciliares (nas margens dos rios), de 30 para cinco metros. O Estado, que recentemente sofreu alagamentos catastróficos relacionados ao mau uso do solo, está regularizando desmatamentos em matas ciliares para beneficiar a produção agrícola.
Foto arquivo Web
Para Mario Mantovani, diretor de Mobilização da Fundação SOS Mata Atlântica, a bancada ruralista está fazendo “terrorismo” e usando o governo para fazer chantagem com a sociedade, tentando evitar a regularização fundiária no país. “Sob o pretexto de que o reflorestamento de áreas, de acordo com a lei, irá provocar impactos na produção de alimentos, as propostas representam, na verdade, um retrocesso ético, moral, social e econômico na história do país”, diz Mantovani.
O ambientalista adverte que dos 93% da Mata Atlântica que já foram desmatados no Brasil, apenas 40% foi usado para atividade econômica. De acordo com ele, as alterações sugeridas defendem interesses de grupos econômicos que, historicamente, sempre obtiveram vantagens com desmatamentos de floresta nativa. Mantovani diz que a SOS Mata Atlântica pretende organizar uma luta de resistência civil com relação às propostas de reformulação da legislação ambiental brasileira.
Por Georgiana de Sá - Exclusivo pra o jornal Ambiente Hoje