Thursday, August 06, 2009

Um estranho no ninho

Foto de Pedro França
Sobrevivendo no circuito do 'terno e gravata'

Depois de um ano à frente do Ministério do Meio Ambiente, com a bancada ruralista ganhando força no Congresso Nacional e ampliando sua área de influência, Minc tem travado incansáveis batalhas com os ministérios de Transportes, Agricultura e Energia, com parlamentares e governadores. No ambiente do ‘terno e gravata’, o ministro entra em cena com coletes coloridos e desafia forças políticas que representam grandes setores econômicos, proprietários de terra e do agronegócio.

Decreto 6.640, de 2009, que legaliza a destruição de cavernas brasileiras, Medida Provisória 458, também de 2009, que regulariza terras ocupadas ilegalmente na região amazônica, mudanças no Código Florestal de Santa Catarina e várias propostas para reformular a legislação florestal brasileira. Diante de todo esse movimento de desmonte das leis ambientais vigentes no país, o ministro chegou a desabafar publicamente sobre os colegas de Ministério. "Vários ministros combinavam uma coisa aqui (com Lula) e depois iam ao Parlamento, cada um com a sua machadinha, patrocinar emendas que esquartejavam e desfiguravam a legislação ambiental."

Para quem foi escolhido pela agilidade na concessão de licenças ambientais enquanto ocupava a Secretaria de Meio Ambiente do Rio, Minc tem surpreendido. Defende o desmatamento zero na Amazônia, critica mudanças propostas para o Código Florestal Brasileiro, impõem rigor para licenciamentos de hidrelétricas em áreas de preservação ambiental e insiste no cumprimento de condicionantes para o asfaltamento da BR- 319. A rodovia, obra prioritária do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), vai ligar Manaus a Porto Velho e cortar uma das regiões mais preservadas da Amazônia. Minc exige que dez condicionantes sejam cumpridas antes do início da obra, entre elas a criação de áreas de conservação e abertura de postos de fiscalização para evitar novos desmatamentos ao longo da estrada.

Fonte: banco de imagens Google

Que caminho é esse?

Irreverente, provocador e quase sempre polêmico, seja por suas posições francas em defesa do meio ambiente, ou pelo próprio passado - na juventude integrou a resistência à ditadura militar. Descendente de judeus poloneses imigrantes, casado e pai de dois filhos, o atual ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc Baumfeld, nasceu em 12 de julho de 1951, no Rio de Janeiro.

Seu caráter audacioso se expressou publicamente aos 15 anos, quando se tornou líder estudantil do grêmio do Colégio de Aplicação da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Em 1966, no auge da repressão política, ocupou a vice-presidência da Ames (Associação Metropolitana dos Estudantes Secundaristas). Aos 18 anos foi preso, acusado de tomar parte de atos da esquerda e, em 1979, exilado durante quase dez anos em países como Argélia, Cuba, Chile, França e Portugal. Minc só regressou ao Brasil após a anistia, em 1979.

Professor-adjunto do Departamento de Geografia da UFRJ, mestre em Planejamento Urbano e Regional (Universidade Técnica de Lisboa) e doutor em economia do Desenvolvimento (Universidade de Paris I – Sorbonne), ajudou a fundar o PV (Partido Verde) e se elegeu deputado estadual pela primeira vez.

Em 1990, 1994 e 1998 foi reeleito pelo PT (Partido dos Trabalhadores), se tornando autor de leis em benefício do meio ambiente e da cidadania. Paralelo à atuação política, escreveu vários livros, entre eles “Ecologia e Cidadania”, adotado em escolas públicas e privadas do Brasil. Em reconhecimento ao ativismo ambiental recebeu, em 1989, o Prêmio Global 500 da ONU para o Meio Ambiente.

Em 2007, Minc foi nomeado secretário de Meio Ambiente do Estado do Rio, até que, em 13 de maio de 2008, com o pedido de demissão de Marina Silva, foi convidado a ocupar o cargo de ministro do Meio Ambiente. Mantendo um estilo prático de quem vai direto ao assunto, antes mesmo de sua posse oficial, pediu ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva a liberação royalties do uso da água por hidrelétricas, empresas de saneamento e pelo setor do petróleo, para aumentar a verba orçamentária da pasta ambiental.

Marcello Casal Jr./ABr

Carlos Minc faz critica os desmatadores durante manifesto promovido pelos trabalhadores rurais em Brasília


Roupa suja se lava em público

Para firmar o que chamou de “pacto” entre a área ambiental e a agricultura familiar, Minc passou a defender o tratamento diferenciado para pequenos agricultores, incentivos econômicos, fiscais, pagamento por serviços ambientais e a simplificação da averbação da reserva legal para a categoria.

Em contrapeso, reclamou publicamente que os grandes proprietários são os que mais desmatam e que “encolheram o rabinho de capeta e agora fingem defender a agricultura familiar”. A declaração foi dada durante um ato de agricultores familiares em frente ao Ministério do Meio Ambiente (27/05). Na ocasião, Minc se exaltou e chamou os grandes líderes do agronegócio de vigaristas. “Não podemos cair no canto da sereia. Fingem que são amiguinhos de vocês. Amanhã vão pedir para parar a reforma agrária, o crédito para a agricultura familiar. Não confiem nesses vigaristas! Estão querendo usar vocês contra o meio ambiente, quando a boa aliança é entre o ambientalista e a agricultura familiar” disse.

O discurso do ministro gerou reação no Congresso, sobretudo da senadora Kátia Abreu (DEM-TO), líder da bancada ruralista e presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil). Ela acusa Minc de alienado da economia nacional, ‘ecoxiita’, de usar ironias e expressões vulgares. A senadora pediu a punição do ministro, protocolando uma denúncia por crime de responsabilidade na Comissão de Ética Pública da Presidência da República e na Procuradoria Geral da República.

No auge do confronto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estava em visita oficial a Guatemala, disse aos jornalistas que a “algazarra” teria um ponto final quando retornasse ao país. "Às vezes você não pode externar a sua visão sem saber que repercussão ela pode ter no outro. E vale pra todo mundo. Imagina no campo de futebol, se os jogadores começam a se xingar alto pra torcida ouvir, pra imprensa descobrir, acaba o jogo", considerou o presidente, conforme divulgou a Folha de São Paulo (03/06).

Depois do que soou como uma repreensão de Lula, Minc se explicou no programa Bom Dia MT, em 05 de junho último. “Eu reconheço que o agronegócio tem um papel fundamental no Brasil. Balança comercial, exportação de alimentos, geração de divisas, combate à inflação. Eu não estigmatizo o agronegócio. Tanto é que nós tivemos um grande acordo com a soja, a moratória da soja. Estamos fazendo um grande acordo com a Única. Fiz um grande acordo com o governador Blairo Maggi, que é ligado ao agronegócio. Então eu não tenho preconceito em relação a isto. Eu acho que nós vamos retomar o diálogo e vamos fazer um acordo porque o Brasil precisa disso. Só que nesse acordo não vai ser permitindo o desmatamento de milhares e milhares de hectares no cerrado, na caatinga, na mata atlântica, não vai ser com grandes monoculturas, uso de milhares de queimadas e agrotóxicos. Nós queremos uma agricultura sustentável”.
Foto de Leopoldo Peron

Na discussão sobre o plantio de cana-de-açúcar no pantanal venceu o etanol 100% verde

Pactos sustentáveis

Outra discussão que movimentou a Esplanada dos Ministérios ocorreu pela tentativa de liberação de plantio de cana-de-açúcar em algumas áreas da região Norte, na BAP (Bacia do Alto Paraguai), onde correm rios que deságuam em áreas alagadas do Pantanal. Enquanto o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, considerava a permissão e incentivo à produção de cana na região, Minc defendia a produção de álcool 100% verde, preservando a Amazônia e o Pantanal. “Eu tenho para mim que há muitos empresários do Mato Grosso, fazendeiros que já compraram terras nesse lugar. Fizeram infra-estrutura, fizeram estradas, fizeram eletricidade. Então, aí já é um interesse particular. Eles querem por que querem que seja ali e não em outras áreas planas e boas do próprio Mato Grosso”, disse Minc ao Bom Dia MT.

Para este dilema, Carlos Minc e Reinhold Stephanes chegaram a um acordo. A cana de açúcar será expandida em quase seis milhões de hectares, mas o plantio e colheita de serão feitos dentro de regras ambientalmente corretas, sem queimada nem vinhotos - subproduto de cana altamente poluente. De acordo com o ministro do Meio Ambiente, não poderão ocorrer plantios em mata nativa e, da mesma forma, não serão instaladas usinas na região do Pantanal ou Amazônia.
Por Georgiana de Sá - Publicado no jornal Ambiente Hoje

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