Sunday, March 15, 2009

PORQUE OS RIOS SAEM DOS LEITOS

Aquecimento global, chuvas e ocupação desordenada:
a equação das enchentes

As inundações em áreas urbanas têm sido causas de graves e onerosos problemas ambientais e sociais. Desde o final de 2008, as chuvas causaram enchentes em Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, deixando ruínas, desabrigados, mortos e feridos. Normalmente, as enchentes resultam de variações naturais no nível dos rios. No entanto, a questão que se impõe é porque, em decorrência dos temporais, alguns territórios se tornam mais suscetíveis e sofrem reincidentes tragédias.

No caso de Santa Catarina, o Vale do Itajaí, uma das regiões mais atingidas pelas chuvas no estado, a vulnerabilidade é histórica. A elevação do rio Itajaí-Açu e seus afluentes já causaram outras grandes enchentes no Vale, em 1983 e 1984. Também não é a primeira vez que a capital paulista é castigada pelas inundações do rio Tietê. Do mesmo modo, no estado do Rio de Janeiro, o aumento do volume das águas do rio Santo Antônio já afetou as mesmas cidades da Baixada Litorânea e da Região Serrana. Em Minas Gerais, graças à elevação do nível do rio Arrudas, Belo Horizonte saudou o ano novo com uma cratera na Avenida Tereza Cristina, lembrando outro alagamento que, em 1979, causou mortes e transformou a região da Estação Ferroviária num grande lago.

Foto de Fernando Veteri

Para Maria Dalce Ricas, superintendente executiva da Amda, além de não serem esquecidas, estas situações devem servir para que o poder público analise a correlação entre chuva, ocupação do solo e conseqüências dos temporais. Ela cita como exemplo as obras de canalização do rio Arrudas que, na década de 80, prometiam conter as enchentes. “Na época, o projeto foi questionado pela visão pontual, sem estudos e definição de outras medidas necessárias, como o controle do uso do solo. O poder público anunciou ter resolvido o problema para os próximos 100 anos, mas a ocupação irregular e impactante do solo continuaram”.

O professor de Sistemas de Drenagem, do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da UFMG, Mário Cicarelli Pinheiro, também acredita que a chuva não é a única causa de inundações. Para ele, o fator de risco é mesmo a ocupação desordenada. O professor explica que a retirada da vegetação, a ocupação irregular em leitos e canais fluviais e consequente assoreamento dos rios prejudica a drenagem de água, como é o caso do Ribeirão Arrudas, que teve fundos de córregos ocupados com avenidas e canalizações, potencializando as enchentes. “Para evitar transbordamentos em regiões metropolitanas seria necessário construir canalizações maiores, o que fica difícil depois que a cidade já está com a malha urbana implantada. Neste caso, as soluções se tornam paliativas”. Segundo o professor, a construção dos chamados “piscinões” (bacias de contenções), como a Barragem Santa Lúcia, no bairro Cidade Jardim, são recursos que podem atenuar o problema. “O lago serve para conter enchentes e regular a vazão das águas”.

Na opinião do fundador do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco e coordenador do Projeto Manuelzão, professor Apolo Heringer Lisboa, a saída é alterar a dinâmica social e da engenharia na construção urbana. Ele fala da necessidade de repermeabilizar o solo e compensar áreas já impermeabilizadas com pequenas obras, a fim de facilitar a percolação das águas das chuvas em cada moradia e quarteirão, e não sua drenagem forçada para canais. “As canalizações de rios e córregos urbanos produzem um efeito cumulativo e sinérgico de bombas d'águas. As margens de rios e córregos devem escoar em leito natural. As várzeas para as cheias sazonais podem ser parques e áreas de lazer para a população”, opina ele.

Porém, a (re)integração das águas no cenário urbano depende de estudos e programas de recuperação ambiental. Belo Horizonte possui um Plano Diretor de Drenagem (Drenurbs) para cuidar de fundos de vale. O engenheiro José Roberto Borges Champs, que coordenou por cindo anos o Drenurbs, explica como seria possível evitar alagamentos no Ribeirão Arrudas. “A solução não pode se concentrar apenas no canal. É preciso atuar em toda a bacia. O Ribeirão Arrudas pertence à Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas e abrange uma área de quase 200 Km². Em toda essa extensão devem ser realizados trabalhos de retenção e armazenagem das águas, antes que cheguem ao canal do Arrudas. Qualquer outra solução não vai dar certo”, diz o engenheiro, destacando que a concretagem prevista para o Ribeirão Arrudas não impedirá novas enchentes.

Segundo ele, seria preciso uma atuação efetiva em toda a bacia, com o aumento de áreas de infiltração e criação de reservatórios de retenção de cheia. Neste último caso, ele também cita a Barragem de Santa Lúcia como exemplo positivo. Para Champs, as ações previstas para o Drenurbs ainda são limitadas em termos de ação e precisam ser ampliadas. “Hoje, o Drenurbs atinge apenas o Córrego do Bom Sucesso, quando, na verdade, deveria abranger toda a bacia”.

Moradias sob risco

As prefeituras municipais possuem códigos de meio ambiente, arquitetura e engenharia que servem para ordenar a expansão urbana. Entretanto, quando se trata de especulação imobiliária, nem sempre o uso adequado do solo é observado. No caso de Belo Horizonte, a expansão imobiliária, especialmente a partir dos anos 80 e 90, tomou rumos inesperados. Para o professor Mário Cicarelli, a especulação imobiliária consegue burlar o controle dos órgãos fiscalizadores alterando informalmente critérios de projetos. “Essas construções acabam contando com o reconhecimento da própria municipalidade, que passa a se responsabilizar pela urbanização de áreas, vilas e favelas, edificadas em locais inadequados”. Cicarelli cita o exemplo do Conjunto Taquaril, na região Leste de BH, que se desenvolveu ocupando áreas verdes, em margens de córregos e de encostas e, atualmente, sofre riscos de deslizamentos.

Nestes casos, segundo o professor, os problemas sociais se sobrepõem aos problemas técnicos de engenharia e, por isso, as enchentes e deslizamentos se tornam inevitáveis em áreas urbanas. “Os movimentos sociais de proteção destas vilas e favelas acabam inviabilizando obras que poderiam beneficiar toda a comunidade, impedindo remanejamentos de famílias. E, quanto mais tarde o poder público intervir, mais caras serão as obras no futuro”, adverte.

Foto de Tiago Silva

Há vários anos, a Amda e Projeto Manuelzão vêm tentando junto aos governos do Estado e do Município, uma ação mais firme para controlar a ocupação em terrenos que ficam no entorno do Ribeirão Arrudas, em especial nos fundos de vales dos córregos Cercadinho, Bom Sucesso, Barreiro, Jatobá, Mineirão e Independência. “Em algumas dessas áreas os terrenos são de domínio público, como os trechos da fazenda do Cercadinho e Bom Sucesso, adquiridas pelo governo estadual para a proteção dos mananciais de água, quando da criação de Belo Horizonte.

Entretanto, por descaso de administrações passadas, estas áreas vêm sendo ocupadas, quase sempre de forma irregular”, explica o biólogo e conselheiro da Amda, Francisco Mourão Vasconcelos. Nestes casos, ele também concorda que a Prefeitura de Belo Horizonte tem estimulado as ocupações. “Nos últimos anos além de não impedir estas irregularidades, a Prefeitura tem implantando infra-estrutura básica urbana, autorizando a Copasa e a Cemig a instalarem sistema de abastecimento de água e rede elétrica nestes trechos”, salienta.


Aquecimento global em debate

O climatologista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), prevê a intensificação das chuvas em decorrência do efeito estufa. “Quanto mais quente e úmida a atmosfera, maior a tendência de chuvas mais intensas”. Diante disso, ele considera que os centros urbanos só conseguirão se adaptar a extremos climáticos como estes se houver uso adequado do solo. Ele cita o exemplo das inundações e deslizamentos que ocorreram recentemente em Santa Catarina. “Em função de repetidas enchentes do rio Itajaí-Açu, habitantes da planície de inundação do rio se mudaram para áreas de morros, desmatando a floresta. Portanto, deixaram uma área de risco e se mudaram para outra área de risco”.

Foto de Yul Barbosa

Carlos Nobre adverte que a vegetação tem a função de moderar o efeito das chuvas. “Sem vegetação, com solos degradados e compactados, a descarga nos rios demora mais tempo para acontecer, a infiltração é diminuída e as águas pluviais chegam rapidamente aos cursos d'água gerando inundações”.

Perguntado se ações mundiais conjuntas podem estabilizar o efeito estufa, o climatologista explicou que o uso mais amplo de tecnologias voltadas para a eficiência energética é um meio de conter a situação. “Neste caso, as emissões globais poderiam ser reduzidas em 20%. Entretanto, o desafio é muito maior. Para que evitemos o risco de uma grande desestabilização do clima global teremos que reduzir as emissões em no mínimo 80%, até meados deste século”.

O especialista acredita que este pode ser o maior desafio enfrentado pela humanidade em escala global. De acordo com ele, caso a temperatura não ultrapasse dois graus de aumento e haja estabilização, a adaptação humana diante da maior parte das mudanças climática se tornará mais fácil. Ainda assim, este valor de aquecimento deve causar impactos severos e de difícil adaptação, como o desaparecimento de espécies, de algumas ilhas (pelo aumento do nível do mar) e do gelo no oceano Ártico, ao fim do verão.

Para Alexandre Gadelha, do 5º Distrito de Meteorologia de Belo Horizonte, as chuvas que atingiram a capital nos últimos meses não anunciam o fim do mundo. Ele explica que este é comumente um período favorável às tempestades e os volumes de chuvas equivalem ao que era esperado. “Em dezembro choveu muito, mas de forma mais espaçada. As duas enchentes ocorreram em Belo Horizonte não pelo volume de chuva, mas por dois eventos característicos que aconteceram de forma repentina. Esses eventos são problemáticos em áreas urbanas porque podem causar alagamentos”. A previsão do 5º Distrito para a Capital é de dias quentes e chuvas isoladas no final da tarde até o fim de março, quando termina a estação chuvosa. Contudo, outras tempestades fortes e repentinas, como as que causaram enchentes, não estão previstas para Belo Horizonte

Enchentes preocupam ambientalistas mineiros

No dia 21 de fevereiro último, a Amda e o Projeto Manuelzão se reuniram na Secretaria de Estado do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável e pediram proteção para cabeceiras e nascentes do Ribeirão Arrudas, a criação de áreas de recarga e a construção de bacias de contenção de águas de chuva em alguns de seus trechos. Deste encontro, ficou acertada a criação de um Grupo de Trabalho (GT), a ser coordenado pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional e Política Urbana (Sedru), com a participação dos municípios envolvidos (Belo Horizonte, Contagem e Ibirité), Copasa e representação das entidades ambientalistas. O GT tem como missão imediata discutir soluções emergenciais para o problema de ocupações irregulares em áreas prioritárias.

Segundo o biólogo e membro do Conselho Consultivo da Amda, Francisco Mourão Vasconcelos, o aumento da freqüência dos transbordamentos do ribeirão Arrudas tem, entre suas maiores causas, o avanço das ocupações em suas cabeceiras, em especial, nos bairros Olhos D’Água, Buritis, Barreiro de Cima, Jatobá e Independência. “Áreas com grande potencial para instalação de bacias de contenção estão sendo ocupadas, o que inviabilizará se não estancado o processo, a futura implantação dessas estruturas.”

Também como forma de prevenção de enchentes, recentemente, em parceria com o IEF – Instituto Estadual de Florestas, a Amda elaborou proposta de implantação de corredores de vegetação nativa ao longo dos cursos d’água que nascem na Serra do Curral, dentro dos limites do Parque Estadual da Serra do Rola Moça e Estação Ecológica do Cercadinho.

Por Georgiana de Sá - Exclusivo para a Amda (Associação Mineira de Defesa do Ambiente)

1 comment:

Anonymous said...

Спасибо понравилось !