Thursday, October 30, 2008

O desafio de explorar sem devastar

Foto de Ludmila Tavares. Disponível em www.flickr.com

Nos últimos 50 anos, o Brasil perdeu 30% de vegetação nativa, segundo dados do Mapa da Cobertura Vegetal dos Biomas Brasileiros, recentemente divulgado pelo Ministério do Meio Ambiente – MMA. Apesar dos resultados positivos em algumas áreas, como no controle da poluição provocada pelas atividades industriais, a histórica questão do desmatamento no Brasil continua com desfecho imprevisível.
“Uma das dificuldades para se controlar o desmatamento está relacionada ao fato de ocorrer de forma pulverizada, por grandes áreas, quase sempre pelo avanço da fronteira agropecuária. O modelo de expansão destas atividades no país sempre foi marcado por privilegiar o avanço horizontal da agricultura e pecuária sobre áreas naturais, ao invés buscar o incremento dos índices de produtividade. E, no rastro desta expansão, vão ficando para trás grandes extensões de terras degradadas e com níveis baixíssimos de produtividade”, destaca o biólogo e conselheiro da Amda, Francisco Mourão.
Neste sentido, Maria Dalce Ricas, superintendente executiva da entidade, acrescenta que o problema do desmatamento se agrava porque parte do setor industrial brasileiro enxerga florestas nativas como estoques de madeira para a produção de energia. “O governo estimula empreendimentos e não faz disso oportunidades para preservar”.
No caso de Minas Gerais, a ambientalista adverte que o Estado, a cada dia que passa, vem perdendo mais áreas de mata nativa. “A grande questão é: será que algum dia o saldo será positivo para as áreas que foram recuperadas, em relação as que foram desmatadas?”, questiona a superintendente.
Hoje, Minas Gerais possui em torno de 59 milhões de hectares ainda cobertos por vegetação nativa, o que significa 33,5% de sua extensão territorial. De acordo com o Instituto Estadual de Florestas (IEF), para aumentar a área de cobertura vegetal para 40%, até o ano de 2011, o governo lançou o Projeto Estruturador para a Conservação do Cerrado e Recuperação da Mata Atlântica.
Segundo Luiz Carlos Cardoso Vale, diretor de Desenvolvimento e Conservação Florestal do IEF, entre 2003 a 2005, o Estado perdeu áreas em vegetação nativa equivalente 65 mil hectares/ano. Já no biênio 2006/2007, a perda foi de 53 mil hectares/ano, o que poderia indicar uma ligeira queda de desmatamento nos períodos destacados.
Francisco Mourão lembra, porém, que esta interpretação pode esconder a troca de formações florestais em estágios mais avançados por fragmentos em estágios iniciais de recuperação, decorrente do processo de abandono de pastagens, fato comum no Estado. Este equívoco interpretativo, segundo ele, normalmente resulta em perda expressiva de biodiversidade, já que as capoeiras em estágios iniciais são, quase sempre, ainda pobres em riqueza biológica.
“O fato do monitoramento florestal feito pelo IEF/UFLA não envolver ainda uma avaliação qualitativa dos remanescentes de vegetação nativa impossibilita a análise mais precisa dos dados produzidos”, explica o biólogo.
Foto de Sylvia Hille . Disponível em www.flickr.com

O diretor do IEF, Luiz Carlos Cardoso Valle, enfatizou também que a lenha e seus derivados representam 30% da produção primária de energia em Minas; e que o atendimento desta demanda depende ainda do uso de mata nativa. “A explosão de ‘commodities’, em especial, de produtos siderúrgicos, vem elevando o preço das matérias primas florestais, o que agrava o problema da pressão sobre florestas nativas”, acrescenta.
Nas avaliações do diretor, para superar esta dependência seria preciso ampliar a produção baseada em florestas plantadas, utilizando estoques de áreas antropizadas (já ocupadas pelo homem).
Questionado sobre as possibilidades de conciliar a demanda de carvão com a proteção de florestas nativas, o biólogo Francisco Mourão enfatizou que a legislação mineira em vigor abriu espaço para o crescimento da produção de carvão a partir de florestas nativas, ao derrubar os limites impostos pela lei anterior. “A Lei 10.561/2000, estabelecia um teto máximo de 10% do consumo de cada empresa, baseada em florestas e cerrados nativos. A recente proposta encaminhada pelo governo mineiro ao Legislativo deve mudar esta situação, restabelecendo novos limites”. Segundo ele, mesmo não sendo os limites esperados pelos ambientalistas, a proposta do governo deve resultar em mudanças positivas.
Francisco lembra, porém, que o sucesso da medida depende do aprimoramento dos mecanismos de controle do desmatamento pelo governo, envolvendo, principalmente, avanços na política de recursos humanos dos órgãos de meio ambiente. Para ele, a baixa remuneração das equipes da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável - Semad tem gerado perdas de técnicos para o setor privado, impedindo avanços maiores na qualificação pessoal.
Foto de Zedu Monte - Disponível em www.flickr.com
O eterno impasse entre desenvolvimento econômico e sustentabilidade ambiental

Além dos problemas relacionados ao consumo de matérias primas florestais e à expansão da fronteira agropecuária, a ampliação de obras de infra-estrutura também se torna ameaça aos remanescentes de vegetação nativa em Minas gerais. Recente exemplo é o plano de instalação do segundo maior aeroporto do Estado, ao lado do Parque Estadual do Rio Doce, obra em processo de licenciamento no Conselho de Política Ambiental - Copam, relacionada ao projeto de expansão da Usiminas, em Ipatinga.
Francisco Mourão adverte que a área escolhida se situa no centro de um complexo de lagoas naturais, considerado o mais extenso ambiente lacustre do Estado. A área abriga fauna e flora expressivas, envolvendo especialmente espécies típicas de ecossistemas aquáticos e brejosos. “É difícil avaliar os impactos sobre espécies que dependem de ecossistemas completamente naturais, sem a presença de ruídos, luzes e movimentação de aeronaves”, considera ele.
A Superintendente da Amda, Maria Dalce, ressalta que o Parque do Rio Doce protege o maior e mais importante remanescente de Mata Atlântica em Minas. “Considerando que o Estado mantém menos de 4% desse bioma, segundo a Fundação SOS Mata Atlântica, não há dúvida de que todas as alternativas possíveis para a implantação do aeroporto devem ser apuradas, de maneira a evitar possíveis impactos sobre a flora e fauna da região. A importância da área justifica, até mesmo, a escolha por alternativas de custos mais elevados”.
O Projeto Estruturador do governo estadual declara que como meta a redução do desmatamento e a ampliação das áreas protegidas, através de unidades de conservação - UCs. O plano pretende também recuperar áreas degradadas, desenvolver a silvicultura com espécies nativas, aprimorar a fiscalização e monitorar a cobertura da vegetação natural, além de intensificar os processos de averbação de reservas legais. Se atingidas as metas, espera-se a ampliação da superfície coberta por vegetação nativa no Estado.
De acordo com Francisco Mourão se a meta de criação de novas UCs for realmente cumprida, vai representar um incremento significativo de áreas protegidas em Minas. Entretanto, ele analisa como modesta a meta de regularização fundiária de UCs, advertindo que o Estado não tem sequer em seu orçamento rubrica de recursos para esta finalidade. “A destinação de recursos para a aquisição de terrenos particulares no interior de unidades de conservação tem sido uma das principais reivindicações dos ambientalistas mineiros. A manutenção destas áreas nas mãos de particulares, além de gerar conflitos sociais, impede que as unidades cumpram integralmente a função de proteger a biodiversidade”.

Foto de Leonardo F. Freitas . Disponível em www.flickr.com

Lógica da lucratividade X Preservação ambiental
A dificuldade em se obter empréstimos bancários quando o assunto é conservação ambiental foi outro fator considerado pelo diretor do IEF, Luiz Carlos Cardoso Valle. Segundo ele, os créditos disponíveis através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, Banco do Nordeste – BNB e Banco de Desenvolvimento de Minas – BDMG/Proflorestas estão direcionados para setores de base florestal (siderúrgico e celulose) e para empreendimentos rurais (Programa de Plantio Comercial e Recuperação de Florestas – Propflora e Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf Florestal).
Estas linhas de crédito são operadas por bancos comerciais e de desenvolvimento e seguem trâmites normais de operação bancária, com períodos de carência e prazos de pagamento compatíveis com os períodos de maturação da atividade.
Perguntado sobre o fato dos bancos não terem linhas de crédito específicas para produtores que tenham projetos de preservação de mata nativa, Luiz Carlos respondeu que isto ocorre porque os bancos trabalham com a lógica de lucratividade financeira, ou seja, fazem investimentos e créditos em projetos que apresentem liquidez e capacidade de pagamento garantido.
O gerente da Divisão de Agropecuária do Setor de Agronegócios do BDMG, Leonardo Parma, garante que o BDMG oferece financiamentos para recomposição e manutenção de áreas de preservação e reserva florestal legal. “Disponibilizamos até R$ 200 mil com juros fixos de 6,75%. O produtor rural tem o prazo de sete anos para começar a pagar e três anos para liquidar o financiamento. Para conseguir crédito, basta procurar uma cooperativa de crédito de sua região”, orienta o gerente.
Foto de Carlos Levistrauss. Disponível em www.flickr.com

Falta apoio para reservas legais

A reportagem “Quanto custaria para salvar a natureza”, publicada pelo jornal alemão “Der Spiegel”, em 02 de junho de 2008, pelos repórteres Philip Bethge, Rafaela Von Bredow e Christian Schwägerl, revela mudanças nos paradigmas ambientais. Segundo dados divulgados, a cada ano, florestas virgens maiores que Suíça são desmatadas para extração de madeira e até 130 espécies são extintas a cada dia.
A matéria alerta para a aterrorizante situação de perdas de florestas, espécies, habitats e ecossistemas e lembra ser fundamental a criação de mecanismos de estímulos financeiros para a preservação da natureza no mundo. A reportagem cita, como exemplo, instrumentos relacionados ao mercado de créditos de CO2 e ao desenvolvimento do ecoturismo, como áreas promissoras para a geração de recursos necessários à proteção de ecossistemas. Outro aspecto considerado foram os novos acordos multilaterais de comércio entre as nações, que passam a inserir ações que visam à proteção ambiental.
No entanto, para estimular a preservação da natureza e mostrar aos investidores que a perda de biodiversidade custa muito ao mundo, cabe aos governos criarem incentivos para proteção de florestas que, em grande parte, estão em mãos de particulares.
No Brasil, por exemplo, proprietários de Reservas Particulares de Patrimônio Natural - RPPN não encontram motivações, além da isenção do ITR – Imposto Territorial Rural, possibilidade esta que já é facultada aos proprietários de Reservas Legais.
Conforme Maria Cristina Weyland Vieira, Diretora Técnica da Confederação Nacional das Reservas Particulares do Patrimônio Natural - CNRPPN e presidente da Associação de Reservas Particulares de Minas Gerais – ARPEMG, a manutenção de RPPNs implica em uma série de dificuldades. A diretora cita como exemplo a perseguição da Receita Federal. “A Receita tem infernizado a vida dos proprietários de terras que preservaram florestas, capturando-os na malha fina e cobrando impostos sobre as florestas não averbadas nos anos 90”.
De acordo com Maria Cristina, em Minas Gerais existe também o ICMS ecológico, que destina recursos aos governos municipais, relativos à criação e manutenção de unidades de conservação em seus espaços territoriais. Entretanto, estes recursos raramente são dirigidos para programas de estímulo às unidades de conservação particulares.
“Para que esses recursos sejam revertidos para as RPPNs são necessárias estratégias de repasse, através de leis municipais e atuação de ONGs”, explica ela.
Foto de Magru Floriano . Disponível no ww.flickr.com
Visando aprofundar neste tema, a redação do jornal “Ambiente Hoje” entrou em contato com alguns proprietários de RPPNs relacionados no cadastro da ARPEMG. Todos foram unânimes em mencionar a falta apoio e esclarecimentos por parte do governo. Wallace Ferreira Pedrosa, um dos proprietários da Fazenda Boa Vista e cafeicultor em São Francisco da Glória/MG, informou que dos 77 hectares da fazenda, 15 ha foram declarados como RPPN.
O proprietário ressalta que quem não tem áreas preservadas, conforme determina a legislação, não consegue mais financiamento em bancos. Porém, segundo ele, este é um dos poucos mecanismos de estímulo à preservação ambiental em áreas rurais. “O governo não oferece incentivos e o produtor tem de arcar sozinho com custos para averbação em cartório e para a proteção da área. O que mais me deixa esperançoso é que, no futuro, quem desenvolver ações concretas pela preservação ambiental receberá tratamento diferenciado na colocação de seus produtos no mercado internacional. Essas exigências estão relacionadas ao crescimento da preocupação mundial com o desmatamento”, opina ele.
Diante de todo esse cenário, a pergunta que se coloca é se a natureza vai esperar mudanças decorrentes do avanço da conscientização mundial quanto ao tema, já que a perda de ecossistemas naturais e a extinção de espécies ocorrem em níveis assustadores.
Por Georgiana de Sá - Apuração exclusiva para a Amda- Texto original

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