Sunday, May 18, 2008

“Assim será nossa Amazônia”: Primeira campanha da Amda de impacto nacional

Foto: Georgiana de Sá
Publicitácio Jaak Bosmans conta como foi a idéia do slogan "Assim será nossa Amazônia"
HISTÓRIA E MEMÓRIA

Por Georgiana de Sá - Matéria exclusiva para o Jornal Ambiente Hoje (da Associação Mineira em Defesa do Ambiente - Amda)

O ano era 1979. Num ambiente político e social de repressão militar, a Amda iniciava sua luta sem trégua em defesa do meio ambiente. A maior região florestal e hidrográfica do mundo, a Amazônia, sofria a problemática da modernização planejada pelo regime militar. Desde 1964 que a região se tornara importante foco de atenção do governo pelo seu potencial de recursos naturais.
O governo federal anunciava planos desenvolvimentistas para ocupar os vazios da Amazônia, como solução para alguns problemas econômicos que dificultavam o crescimento do país. Neste ano, o presidente João Baptista Figueiredo tentava aprovar no Congresso um projeto de lei para a exploração de madeira na região, oferecendo incentivos fiscais para instalação de empresas e baixíssimos preços para aquisição de terras.
Preocupados com mais uma ameaça à estabilidade ambiental da floresta, os fundadores da Amda lançaram a primeira grande campanha da entidade. Com o Slogan “Assim será nossa Amazônia”, a campanha alcançou seu objetivo: o projeto foi derrotado no Congresso Nacional. Mas, para contar história e construir memória, o publicitário Jaak Bosmans guarda até hoje a página da revista Visão, de 17 de março de 1980.
O publicitário, então presidente do Clube de Criação Publicitária de Minas Gerais, abraçou a causa da Amda e criou o slogan da campanha ‘Assim será nossa Amazônia’. “Um ano depois do lançamento da campanha, numa passeata no Rio de Janeiro, uma moça sem camisa protestava segurando nosso cartaz. Eu guardo essa revista porque ela mostra a força desta campanha, de uma manifestação que se propagaria no tempo, como bandeira de protestos".

Jaak conta que o Clube de Criação Publicitária de Minas Gerais surgiu para compensar a culpa dos publicitários pelo binômio publicidade-consumismo. “Era uma válvula de escape para o publicitário que queria fazer alguma coisa em benefício da sociedade”, explica. Segundo ele, o clube apoiava entidades sem fins lucrativos e acolheu o projeto da Amda, comprometendo-se a criar um slogan que causasse impacto em poucas palavras, com visual forte e simples.
O publicitário lembra que foi convidado para algumas apresentações da Amda que mostravam a situação da Floresta Amazônica, palestras, filmes e simpósio, e se envolveu com o trabalho dos fundadores da Associação. “O que mais nos motivou a fazer essa campanha foi a atitude das pessoas da própria Amda. Todo mundo lá vestia a mesma camisa. Acreditar é importante para o sucesso de qualquer incitativa”, diz ele, se referindo ao idealismo do grupo de estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Maria Dalce Ricas, Leonardo Fares Menhen, Francisco Mourão Vasconcelos, Paulo Roberto Paixão Bretas e Francisco Paes Barreto, criadores da entidade.

Jaak sorri ao lembrar como surgiu a idéia do slogan e se entusiasma para falar de um trabalho do qual ele se orgulha. “Um cartaz com foto colorida poderia produzir excelentes resultados, mas a Amda não tinha recurso para fazer policromias. Lembro de um maço de cigarros deixado sob a mesa do trabalho, ‘Chanceler, o fino que satisfaz’. A embalagem era em tom de azul degradê. Fique pensando em como o cigarro consome a vida de uma pessoa a cada tragada e, da mesma forma, a Amazônia poderia ser consumida pouco a pouco, em cada árvore desmatada. Veio a idéia: Um verde degradê e a frase ‘Assim será nossa Amazônia’. Um verde que fosse ficando cada vez mais fraco até se extinguir. Essa era a mensagem, nossa Amazônia poderia desaparecer, o verde poderia acabar pouco a pouco como o degradê das cores. No fim do cartaz uma última e decisiva chamada: se você não entrar nessa briga”, narra o publicitário.

Jaak quis usar a palavra ‘briga’ porque, segundo ele, lutar contra as ações governamentais na Amazônia era como travar uma guerra com o governo militar. “Tinha que ser forte, porque o que queriam fazer também era muito violento. Era forte”, defende ele, concluindo que a campanha cumpriu seu papel com simplicidade e surpreendeu ao atingir nível nacional. “Com pouco dinheiro ou quase nada, a campanha foi um sucesso”, diz satisfeito.

O Engenheiro Químico Gilberto Caldeira Bandeira de Melo, professor do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental (DESA-UFMG), foi um dos estudantes que participaram da campanha da Amda. Ele recorda que saía de madrugada para colar cartazes nos tapumes que cercavam as obras na cidade. “Eu já participava do Movimento Estudantil de reconstrução da UNE. Os estudantes lutavam pela anistia aos exilados e presos políticos, mas na área ambiental a atuação estudantil era mínima e a Amda foi pioneira nesse tipo de mobilização”.

Segundo o professor, os anos 70 e 80 foram decisivos para os movimentos ambientais. Ele cita o surgimento do Conselho Estadual de Política Ambiental – Copam, criado em 1978, e das primeiras leis ambientais de Minas Gerais, como resultado de trabalhos como os da Amda. “Na época da campanha ‘Assim será nossa Amazônia’ o governo não pensava em legislação ambiental”, diz o professor, ressaltando que a preocupação dos militares era com o crescimento econômico e a ocupação da Amazônia só colocava em questão os motivos geopolíticos.

Gilberto conta que os estudantes tinham medo de serem presos por contestarem as ações do governo Figueiredo. “Ainda imperava o regime militar e era arriscado colar esse tipo de cartaz. O governo podia entender que era crime contra a segurança nacional, contra a ordem política e social. Por isso, os cartazes da Amda eram colados depois da meia-noite”, diz Gilberto.

Para a economista Maria Dalce Ricas, atual superintendente executiva da Amda, a campanha em defesa da Amazônia inaugurou em Minas a mobilização de massas em favor do meio ambiente. “Antes dessa campanha a Amda já havia se mobilizado contra o Acordo Nuclear Brasil – Alemanha”, diz se referindo ao Acordo de Cooperação para o Desenvolvimento da Energia Atômica, assinado em 27 de junho de 1975, para fornecimento norte-americano de tecnologia nuclear para o Brasil. No entanto, Maria Dalce explica que a campanha em favor da Amazônia foi o primeiro grande sucesso da entidade, conseguindo reunir mais de 3.000 pessoas no Parque Municipal, num show musical gratuito. “Colávamos cartazes e madrugada, vendíamos adesivos nos sinais, promovíamos show, simpósio, sessões de filme sobre o ‘Projeto Jarí’ e palestras. Essas ações eram ganchos na briga, para mostrar ao povo como estava acontecendo a ocupação da Amazônia”, explica Dalce.

A superintendente conta que no dia da audiência para a votação do projeto do presidente Figueiredo, os ambientalistas da Amda alugaram ônibus e foram ate o Congresso Nacional, em Brasília, quando puderam assistir de perto a derrota do governo e comemorar o sucesso da campanha ‘Assim será nossa Amazônia’.
Retrospectiva da Amazônia

Para um dos fundadores e hoje conselheiro da Amda, o biólogo Francisco Mourão Vasconcelos, a campanha ‘Assim Será Nossa Amazônia’ serviu para esclarecer sobre o funcionamento dos ecossistemas da região amazônica e da composição de sua flora e fauna, conhecimentos ainda escassos na década de 70. “A Amda, preocupada com as conseqüências do projeto sobre a biodiversidade, elaborou um mapa demonstrando como os trechos de florestas que seriam concedidos pelo governo se sobrepunham às áreas de distribuição de algumas espécies de primatas consideradas endêmicas. Procuramos mostrar que, se o projeto fosse aprovado, poderia resultar em grave impacto ambiental”.

O biólogo lamenta que, mesmo diante do sucesso da campanha e da intensa movimentação da opinião pública, a devastação da floresta tenha avançado ao longo de uma série de ações. “Hoje, aproximadamente 17% da área original da Floresta Amazônica já foram destruídos, segundo dados do INPE. Podemos dizer que a situação poderia estar pior se o projeto fosse implantado. Mas, é necessário considerar que avaliações recentes sobre dinâmica e causas do desmate na região indicam que a formação de pastagens e a abertura de áreas para o plantio de soja são as grandes causas da perda de áreas florestais. A exploração madeireira ilegal continua avançando, independentemente das concessões. E, o pior, é que todas estas ações se fazem sobre terras públicas (devolutas). Ou seja, no final das contas, estas áreas são apossadas, e como historicamente se deu no país, o poder público não as recupera jamais”.

O conselheiro adverte que a atual gestão de florestas públicas para produção sustentável deve se desenvolver de modo a disciplinar a exploração madeireira e evitar o avanço do posseamento de terras públicas. “Hoje temos muito mais informações sobre a região amazônica e sobre o funcionamento de seus ecossistemas do que há trinta anos atrás. Esse conhecimento permite ao governo assentar estas concessões sobre bases técnicas e montar forte estrutura de fiscalização”.
Francisco Mourão ressalta que os governos deixaram nascer na Amazônia cidades inteiras, cujas economias passaram a depender quase que exclusivamente da exploração da floresta. O biólogo cita o exemplo do município de Tailândia, no Estado do Pará, cuja população chega a 60 mil habitantes e a economia florestal é responsável pela geração de empregos e renda. “A concessão de área florestais, obedecendo às regras de preservação da floresta, é a única forma de direcionar estas populações para o desenvolvimento de atividades de forma menos danosa ao meio ambiente”, defende o conselheiro.

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