Foto: Fundação O Boticário
Zoólogo Fernando Fernandez escreve crônicas de biologia e conservação da natureza
Zoólogo Fernando Fernandez escreve crônicas de biologia e conservação da natureza
Por Georgiana de Sá ( exclusivo para o Jornal Ambiente Hoje, da Associação Mineira de Defesa do Ambiente - Amda)
O biólogo Fernando Fernandez escreveu o Poema Imperfeito. O título do livro é uma metáfora sobre quanta natureza o homem já destruiu. Fernandez fez mestrado na UNICAMP e PhD na Inglaterra (Durham University), e atualmente é professor de Ecologia e Biologia da Conservação na UFRJ. Se fosse para falar da natureza, nua e crua, vulnerável às intempéries, às tempestades, tornados e furacões, ao imprevisível e inevitável, mas natural, Fernandez poderia ter escrito um poema perfeito. Mas não é o caso de quem quis explicar por que tantos animais se extinguiram no planeta. Em 257 folhas de papel reciclado, numa linguagem para leigos, fácil de compreender e direta, o livro traz reflexões sobre a intervenção humana sobre o meio ambiente. Os capítulos, em forma de crônicas, tratam de temas como extinções, fragmentação florestal, superpopulação e outros problemas ecológicos. Nesta entrevista ao Ambiente Hoje, o professor explica que o homem só pode conservar a natureza se o fizer para o bem da própria natureza.
O que o motivou a ir além da ecologia acadêmica e escrever O Poema Imperfeito?
Fernando Fernandez - O Poema Imperfeito nasceu de uma primeira crônica que escrevi sobre as extinções pré-históricas recentes que foram causadas pelo homem. Quando descobri que a extinção de seres maravilhosos, como mamutes, mastodontes, preguiças gigantes, foram causadas pelos homens, levei um choque muito grande. Tive vontade de exprimir minha tristeza e escrevi essa primeira crônica. A segunda nasceu de um papo no bar com o amigo Julião, sobre um cientista incompreendido, Leon Croizat. Essa conversa eu quis colocar no papel. Depois foram aparecendo outras crônicas, até que o Miguel Milano, da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, ficou sabendo do meu trabalho, leu minha primeira crônica e sugeriu escrever mais algumas para reuni-las em um livro.
O livro fala da dificuldade do homem em viver em harmonia com a natureza. Como aconteceu a interferência do ser humano na história biológica do planeta?
Fernando Fernandez – A espécie humana tem se expandido muito, ocupa quase o planeta inteiro. Isso causa um efeito devastador sobre a biodiversidade. Desde sua chegada à Austrália, há 40-50 mil anos, o homem começou a extinguir espécies de grande porte, a chamada megafauna. Eram bichos maiores de 50 quilos, de baixo potencial reprodutivo e com populações pequenas, por isso mais fáceis de extinguir. Essa onda de extinções continuou com a chegada do homem nas Américas, há uns 15 mil anos atrás. Para se ter uma idéia, há 50 mil anos atrás a Terra era coberta de florestas e, aos poucos, grande parte foi destruída com o processo de devastação para uso da agricultura e pecuária. Essas atividades do homem também serviram para garantir a sobrevivência de animais como cavalos, bois, gatos e moscas domésticas. Mais recentemente o homem tem gerado outras formas de interferência ecológica, como a poluição e o esgotamento de estoques pesqueiros. Essas ações aumentam as chances de extinção de espécies também de pequeno porte, antes mais difíceis de extinguir. Hoje, o maior risco para o planeta é o crescimento da população. A superpopulação mundial tem impulsionado a devastação das poucas áreas florestais que ainda nos restam, como é o caso da Amazônia. E, finalmente, nas últimas décadas o homem se tornou também responsável pelas mudanças climáticas.
Quantas espécies já se extinguiram em razão de ações humanas? A partir de quando começaram a ocorrer estas extinções?
Fernando Fernandez - As extinções foram, em termos geológicos, muito rápidas. Não sabemos exatamente quantas espécies foram extintas, mas foram muitas centenas. A extinção da megafauna ocorreu de 50 mil a 500 anos atrás, quando terminou a extinção da megafauna da Nova Zelândia, a última grande massa de terra a ser alcançada pelo homem. Nesse período, o homem extinguiu cerca de dois terços das espécies de grande porte que encontrou no planeta. Além disso, segundo mostra o trabalho de paleontólogo David Steadman, só durante a colonização das Ilhas do Pacífico, a partir de uns 3.500 anos atrás, extinguimos cerca de duas mil espécies de aves, de grande, médio e pequeno porte. Nos últimos séculos, de forma documentada, o homem já extinguiu centenas de espécies de aves, plantas, mamíferos, répteis e anfíbios. Quanto aos insetos e organismos menores, a gente não faz idéia porque são mal conhecidas. Muitas espécies de insetos devem ter sido extintas sem serem identificadas.
Como o ser humano, ao longo de sua história, interfere na natureza?
Fernando Fernandez - De muitas formas. Além das devastações pelos caçadores, o homem interfe com desmatamento e extrativismo, com animais domésticos introduzidos, favorecimento de espécies agrícolas e introdução de espécies exóticas. O estrago na cobertura vegetal tem gerado uma coleção de desertos fabricados ou aumentados pelo homem. Ultimamente, a quantidade excessiva de CO2, e outros gases liberados pelo homem, tem levado ao aumento do efeito estufa, ocasionando alterações profundas no clima da Terra.
Quais as conseqüências dessas interferências para o próprio ser humano?
Fernando Fernandez - O ciclo de interferências se dá sob várias formas e as conseqüências são várias. Em nome do chamado desenvolvimento sustentável, a exploração de recursos naturais tem sido permitida em áreas que antes seriam protegidas, sem que a tal sustentabilidade tenha sequer sido testada, quanto mais demonstrada. O homem tem gerado uma série de efeitos negativos, como a transformação de áreas que antes eram férteis em solos degradados, pouco produtivos, tem causado poluição dos rios, do ar, desmatamentos e extinção da fauna e da flora. Todas essas ações são responsáveis pela perda de serviços ecológicos como regulação hídrica, geração de chuvas e purificação do ar. Esses efeitos negativos desequilibram os elementos necessários para a nossa própria qualidade de vida.
Para você a natureza tem valor em si mesma ou apenas enquanto utilidade reconhecida pelo ser humano?
Fernando Fernandez - A importância da natureza está além do valor dos serviços prestados por ela. Para mim, a natureza tem valor em si mesma e por si mesma. Qualquer ser vivo tem o mesmo direito de existir que nós. Nunca consegui uma demonstração ética que me convencesse que outras espécies têm menos direito à vida que nós. Independente do seu valor utilitário, definitivamente, a natureza tem valor em si mesma e deve ser preservada por ela, pelos bichos e pelas plantas.
Por que o ser humano não valoriza a natureza?
Fernando Fernandez - Isso acontece por vários motivos. O principal deles está em algumas visões de mundo, em certos dogmas religiosos, cosmologias perniciosas que enfatizam as diferenças – e não as semelhanças – entre nós e as demais espécies, e dizem que o mundo pertence ao homem, foi feito por causa dele. De acordo com as religiões, o homem é diferente de outros seres; para algumas, só ele tem alma, e por isso é merecedor de direitos que os outros animais não possuem. Essas cosmologias estabelecem a distância entre homens e animais e servem para nos dessensibilizar, para desligar nosso sentimento de culpa diante do que fazemos aos outros seres vivos. Quando não nos percebermos como animais que somos, afastamos a possibilidade de sentirmos o sofrimento causado aos restantes dos animais. Além do mais, a superpopulação do planeta é outro fator que tem gerado extrema competição e demanda pelos recursos naturais.
Como responsável pelo Laboratório de Ecologia e Conservação de Populações da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LECP-UFRJ), que tem como linha pesquisa a dinâmica populacional e reprodução de marsupiais e roedores na Mata Atlântica, você já dedicou vários artigos aos pequenos mamíferos. Qual a origem da sua paixão pelos roedores?
Fernando Fernandez - Foi num episódio que por muitos anos fiquei sem recordar, um acontecimento traumático da minha infância. Mas, anos depois, o fato me veio à mente de forma súbita, como se tivesse acontecido no dia anterior. O dia era chuvoso e eu esperava um ônibus com minha mãe. No meio-fio vi um camundongo doméstico tremendo de frio. Um homem resolveu chutar o ratinho para debaixo das rodas de um ônibus. Eu quis evitar que o bicho fosse atropelado e minha mãe, claro, me impediu de colocar as mãos na frente das rodas do ônibus para salvá-lo. Tive que assistir o ônibus sair e esmagar o ratinho. Pode ser que isso não tenha nada a ver, mas muitos anos depois, quando fui escolher meu destino profissional, por alguma razão me interessei por roedores. Na época eu não liguei essa escolha a esse episódio de infância, mas acredito que meus destinos profissionais tenham sido, em parte, motivados por esse episódio. De qualquer forma, os roedores são vistos pela maioria das pessoas como bichos nocivos à saúde humana. Quando se fala em roedores, as pessoas pensam imediatamente em ratos urbanos, bichos ruins que propagam doenças. Essas pessoas ignoram que existem mais de mil espécies de roedores silvestres, vivendo na natureza como qualquer outra espécie. De todas elas, apenas umas cinco espécies interagem com o homem, mas todas as restantes levam a fama por elas. E são animais como quaisquer outros, bonitos e interessantes.
Quais são suas expectativas para o futuro da Terra e da espécie humana?
Fernando Fernandez - A gente às vezes coloca a questão da seguinte maneira: o homem pode acabar com o planeta, vamos salvar o planeta. Mas não é bem assim. O planeta não está em risco. O planeta tem 4,6 bilhões de anos e nós, como espécie Homo sapiens, estamos presentes na Terra há no máximo 200 mil anos, bem menos que o décimo de um milésimo da história do planeta. A Terra existiu a esmagadora maioria de sua história sem nós. Se desaparecêssemos, se nos extinguíssemos como espécie, o planeta se recuperaria relativamente rápido em termos geológicos. Recentemente, saiu um livro muito interessante: ‘O Mundo Sem Nós’, de Alan Weisman. O livro fala de como o planeta se recuperaria depois de os seres humanos terem-se ido. Em algum ponto, daqui talvez há uns cinco milhões de anos – bem pouco em termos geológicos – não haveria mais nenhum registro da passagem do homem pela Terra. No Mundo Sem Nós, não sobraria nada nem ninguém para contar a história da presença do homem no planeta, nenhum registro, nenhum resquício de construções, tudo que fizemos teria se evaporado. Ou seja, para um planeta que existe há bilhões de anos, o tempo de presença do homem na Terra é ínfimo. Então, de qualquer forma, o planeta vai sobreviver. A questão é se o homem vai sobreviver, e como vai ser essa sobrevivência. Se a espécie humana não se extinguir, corre o risco de criar um planeta impossível de se viver com qualidade. Por isso é tão importante levarmos em conta se estamos preocupados com a natureza por ela mesma, ou se estamos criando imensos espasmos de extinção. Na história da Terra, já ocorreram pelo menos umas 11 ondas de extinção que não foram causadas pelo homem, como a que extinguiu os dinossauros, causada pelo impacto de um corpo celeste. Acontece, que agora estamos vivendo uma onda de extinção comparável às outras, mas causada pelo próprio homem. Além de tornar a vida inviável, a raça humana pode levar milhões de espécies, que não tem nada a ver com nosso comportamento, à extinção. O que mais receio é um futuro miserável, que condene o homem a viver num planeta devastado, sujo, poluído, sem recursos e superaquecido. Está em nossas mãos evitar esse futuro catastrófico. Precisamos nos conscientizar de que a qualidade de vida não se mede apenas em quantidade de dinheiro, mas no estado do ambiente, que temos hoje o desafio de preservar.
O que o motivou a ir além da ecologia acadêmica e escrever O Poema Imperfeito?
Fernando Fernandez - O Poema Imperfeito nasceu de uma primeira crônica que escrevi sobre as extinções pré-históricas recentes que foram causadas pelo homem. Quando descobri que a extinção de seres maravilhosos, como mamutes, mastodontes, preguiças gigantes, foram causadas pelos homens, levei um choque muito grande. Tive vontade de exprimir minha tristeza e escrevi essa primeira crônica. A segunda nasceu de um papo no bar com o amigo Julião, sobre um cientista incompreendido, Leon Croizat. Essa conversa eu quis colocar no papel. Depois foram aparecendo outras crônicas, até que o Miguel Milano, da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, ficou sabendo do meu trabalho, leu minha primeira crônica e sugeriu escrever mais algumas para reuni-las em um livro.
O livro fala da dificuldade do homem em viver em harmonia com a natureza. Como aconteceu a interferência do ser humano na história biológica do planeta?
Fernando Fernandez – A espécie humana tem se expandido muito, ocupa quase o planeta inteiro. Isso causa um efeito devastador sobre a biodiversidade. Desde sua chegada à Austrália, há 40-50 mil anos, o homem começou a extinguir espécies de grande porte, a chamada megafauna. Eram bichos maiores de 50 quilos, de baixo potencial reprodutivo e com populações pequenas, por isso mais fáceis de extinguir. Essa onda de extinções continuou com a chegada do homem nas Américas, há uns 15 mil anos atrás. Para se ter uma idéia, há 50 mil anos atrás a Terra era coberta de florestas e, aos poucos, grande parte foi destruída com o processo de devastação para uso da agricultura e pecuária. Essas atividades do homem também serviram para garantir a sobrevivência de animais como cavalos, bois, gatos e moscas domésticas. Mais recentemente o homem tem gerado outras formas de interferência ecológica, como a poluição e o esgotamento de estoques pesqueiros. Essas ações aumentam as chances de extinção de espécies também de pequeno porte, antes mais difíceis de extinguir. Hoje, o maior risco para o planeta é o crescimento da população. A superpopulação mundial tem impulsionado a devastação das poucas áreas florestais que ainda nos restam, como é o caso da Amazônia. E, finalmente, nas últimas décadas o homem se tornou também responsável pelas mudanças climáticas.
Quantas espécies já se extinguiram em razão de ações humanas? A partir de quando começaram a ocorrer estas extinções?
Fernando Fernandez - As extinções foram, em termos geológicos, muito rápidas. Não sabemos exatamente quantas espécies foram extintas, mas foram muitas centenas. A extinção da megafauna ocorreu de 50 mil a 500 anos atrás, quando terminou a extinção da megafauna da Nova Zelândia, a última grande massa de terra a ser alcançada pelo homem. Nesse período, o homem extinguiu cerca de dois terços das espécies de grande porte que encontrou no planeta. Além disso, segundo mostra o trabalho de paleontólogo David Steadman, só durante a colonização das Ilhas do Pacífico, a partir de uns 3.500 anos atrás, extinguimos cerca de duas mil espécies de aves, de grande, médio e pequeno porte. Nos últimos séculos, de forma documentada, o homem já extinguiu centenas de espécies de aves, plantas, mamíferos, répteis e anfíbios. Quanto aos insetos e organismos menores, a gente não faz idéia porque são mal conhecidas. Muitas espécies de insetos devem ter sido extintas sem serem identificadas.
Como o ser humano, ao longo de sua história, interfere na natureza?
Fernando Fernandez - De muitas formas. Além das devastações pelos caçadores, o homem interfe com desmatamento e extrativismo, com animais domésticos introduzidos, favorecimento de espécies agrícolas e introdução de espécies exóticas. O estrago na cobertura vegetal tem gerado uma coleção de desertos fabricados ou aumentados pelo homem. Ultimamente, a quantidade excessiva de CO2, e outros gases liberados pelo homem, tem levado ao aumento do efeito estufa, ocasionando alterações profundas no clima da Terra.
Quais as conseqüências dessas interferências para o próprio ser humano?
Fernando Fernandez - O ciclo de interferências se dá sob várias formas e as conseqüências são várias. Em nome do chamado desenvolvimento sustentável, a exploração de recursos naturais tem sido permitida em áreas que antes seriam protegidas, sem que a tal sustentabilidade tenha sequer sido testada, quanto mais demonstrada. O homem tem gerado uma série de efeitos negativos, como a transformação de áreas que antes eram férteis em solos degradados, pouco produtivos, tem causado poluição dos rios, do ar, desmatamentos e extinção da fauna e da flora. Todas essas ações são responsáveis pela perda de serviços ecológicos como regulação hídrica, geração de chuvas e purificação do ar. Esses efeitos negativos desequilibram os elementos necessários para a nossa própria qualidade de vida.
Para você a natureza tem valor em si mesma ou apenas enquanto utilidade reconhecida pelo ser humano?
Fernando Fernandez - A importância da natureza está além do valor dos serviços prestados por ela. Para mim, a natureza tem valor em si mesma e por si mesma. Qualquer ser vivo tem o mesmo direito de existir que nós. Nunca consegui uma demonstração ética que me convencesse que outras espécies têm menos direito à vida que nós. Independente do seu valor utilitário, definitivamente, a natureza tem valor em si mesma e deve ser preservada por ela, pelos bichos e pelas plantas.
Por que o ser humano não valoriza a natureza?
Fernando Fernandez - Isso acontece por vários motivos. O principal deles está em algumas visões de mundo, em certos dogmas religiosos, cosmologias perniciosas que enfatizam as diferenças – e não as semelhanças – entre nós e as demais espécies, e dizem que o mundo pertence ao homem, foi feito por causa dele. De acordo com as religiões, o homem é diferente de outros seres; para algumas, só ele tem alma, e por isso é merecedor de direitos que os outros animais não possuem. Essas cosmologias estabelecem a distância entre homens e animais e servem para nos dessensibilizar, para desligar nosso sentimento de culpa diante do que fazemos aos outros seres vivos. Quando não nos percebermos como animais que somos, afastamos a possibilidade de sentirmos o sofrimento causado aos restantes dos animais. Além do mais, a superpopulação do planeta é outro fator que tem gerado extrema competição e demanda pelos recursos naturais.
Como responsável pelo Laboratório de Ecologia e Conservação de Populações da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LECP-UFRJ), que tem como linha pesquisa a dinâmica populacional e reprodução de marsupiais e roedores na Mata Atlântica, você já dedicou vários artigos aos pequenos mamíferos. Qual a origem da sua paixão pelos roedores?
Fernando Fernandez - Foi num episódio que por muitos anos fiquei sem recordar, um acontecimento traumático da minha infância. Mas, anos depois, o fato me veio à mente de forma súbita, como se tivesse acontecido no dia anterior. O dia era chuvoso e eu esperava um ônibus com minha mãe. No meio-fio vi um camundongo doméstico tremendo de frio. Um homem resolveu chutar o ratinho para debaixo das rodas de um ônibus. Eu quis evitar que o bicho fosse atropelado e minha mãe, claro, me impediu de colocar as mãos na frente das rodas do ônibus para salvá-lo. Tive que assistir o ônibus sair e esmagar o ratinho. Pode ser que isso não tenha nada a ver, mas muitos anos depois, quando fui escolher meu destino profissional, por alguma razão me interessei por roedores. Na época eu não liguei essa escolha a esse episódio de infância, mas acredito que meus destinos profissionais tenham sido, em parte, motivados por esse episódio. De qualquer forma, os roedores são vistos pela maioria das pessoas como bichos nocivos à saúde humana. Quando se fala em roedores, as pessoas pensam imediatamente em ratos urbanos, bichos ruins que propagam doenças. Essas pessoas ignoram que existem mais de mil espécies de roedores silvestres, vivendo na natureza como qualquer outra espécie. De todas elas, apenas umas cinco espécies interagem com o homem, mas todas as restantes levam a fama por elas. E são animais como quaisquer outros, bonitos e interessantes.
Quais são suas expectativas para o futuro da Terra e da espécie humana?
Fernando Fernandez - A gente às vezes coloca a questão da seguinte maneira: o homem pode acabar com o planeta, vamos salvar o planeta. Mas não é bem assim. O planeta não está em risco. O planeta tem 4,6 bilhões de anos e nós, como espécie Homo sapiens, estamos presentes na Terra há no máximo 200 mil anos, bem menos que o décimo de um milésimo da história do planeta. A Terra existiu a esmagadora maioria de sua história sem nós. Se desaparecêssemos, se nos extinguíssemos como espécie, o planeta se recuperaria relativamente rápido em termos geológicos. Recentemente, saiu um livro muito interessante: ‘O Mundo Sem Nós’, de Alan Weisman. O livro fala de como o planeta se recuperaria depois de os seres humanos terem-se ido. Em algum ponto, daqui talvez há uns cinco milhões de anos – bem pouco em termos geológicos – não haveria mais nenhum registro da passagem do homem pela Terra. No Mundo Sem Nós, não sobraria nada nem ninguém para contar a história da presença do homem no planeta, nenhum registro, nenhum resquício de construções, tudo que fizemos teria se evaporado. Ou seja, para um planeta que existe há bilhões de anos, o tempo de presença do homem na Terra é ínfimo. Então, de qualquer forma, o planeta vai sobreviver. A questão é se o homem vai sobreviver, e como vai ser essa sobrevivência. Se a espécie humana não se extinguir, corre o risco de criar um planeta impossível de se viver com qualidade. Por isso é tão importante levarmos em conta se estamos preocupados com a natureza por ela mesma, ou se estamos criando imensos espasmos de extinção. Na história da Terra, já ocorreram pelo menos umas 11 ondas de extinção que não foram causadas pelo homem, como a que extinguiu os dinossauros, causada pelo impacto de um corpo celeste. Acontece, que agora estamos vivendo uma onda de extinção comparável às outras, mas causada pelo próprio homem. Além de tornar a vida inviável, a raça humana pode levar milhões de espécies, que não tem nada a ver com nosso comportamento, à extinção. O que mais receio é um futuro miserável, que condene o homem a viver num planeta devastado, sujo, poluído, sem recursos e superaquecido. Está em nossas mãos evitar esse futuro catastrófico. Precisamos nos conscientizar de que a qualidade de vida não se mede apenas em quantidade de dinheiro, mas no estado do ambiente, que temos hoje o desafio de preservar.
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