Histórias de florestas e riquezas brasileiras
Foto do arquivo da Assessoria de Araquem Alcântara
Por Georgiana de Sá - exclusivo para o Jornal Ambiente Hoje (AssociaçãoMineira de Defesa do Ambiente)
‘Eu gostaria de ser lembrado como alguém que amou o mundo, as pessoas, os bichos, as árvores, a terra, a água, a vida”. A frase é de Paulo Freire, mas consegue traduzir tão bem a intenção que existe por trás de suas imagens, que o artista pegou emprestado a fala do educador brasileiro para explicar porque resolveu seguir a carreira de fotógrafo ambiental. Determinado na luta pela conservação da natureza e da biodiversidade, Araquém Alcântara, 57, nasceu em Florianópolis (SC) e foi criado em Santos (SP). Na adolescência queria ser jornalista ou escritor, mas apaixonou-se pela força da imagem e se tornou pioneiro na fotografia de meio ambiente. Desde a década de 70 publicou cerca de 30 livros, registros de suas expedições pelo Brasil, que o fizeram precursor inventariante da história natural do país. Nesta entrevista ao Ambiente Hoje, o fotógrafo fala de sua missão para garantir a sustentabilidade ambiental.
Suas obras sobre temas ambientais lhe renderam inúmeros prêmios nacionais e internacionais. "Terra Brasil", que retrata os parques nacionais brasileiros, é um dos livros de fotografias mais vendidos no país. Como nasceu o interesse em fotografar o meio ambiente?
Em 1970 entrei para a Faculdade de Comunicação de Santos. Como jornalista, informando e analisando fatos, eu já acreditava que minha missão era de combate, mas alguma coisa especial me aconteceu quando fui ver o filme ‘A Ilha Nua’, de Kaneto Shindo. Um filme sem muitas palavras. Com uma fotografia pura, o diretor mostrava uma família tentando sobreviver numa ilha. Fiquei tão impressionado com o poder da imagem que fui para casa chocado, como se houvesse recebido um chamado. No dia seguinte, uma amiga me emprestou uma Yashica e iniciei com a fotografia. Fui ao cabaré do Porto, em São Paulo, e fiquei a noite inteira com a câmera no bolso, sem coragem de fotografar. Quando voltava para casa, vi uma cena que me chamou a atenção: uma prostituta com a silhueta em contra-luz, ao nascer do sol. Criei coragem e perguntei se podia tirar uma foto. Ela respondeu: quer fotografar? Então fotografa aqui! E levantou a saia. Essa foi minha primeira imagem fotográfica. Desde então, não parei. Saí pelo Brasil como um viajante, inquieto por revelar o que estava escondido, desvendar o país. Em 1973, em Santos, urubus atraídos pelos detritos de Cubatão apontavam a miséria na cidade. Por acaso, eu passava em frente a uma peixaria e vi uma menina, de uns três anos, maravilhada com a presença de um urubu na calçada. Não pude deixar de fotografar. Senti que aquele era um momento único. Em seguida, dois homens saíram da peixaria, puxaram a criança e espantaram o urubu. A seqüência de imagens do urubu na calçada foi meu primeiro trabalho fotográfico publicado numa revista. Alguns anos depois, fui convidado a fazer uma matéria jornalística na região da Juréia, em São Paulo. No complexo da Mata Atlântica, a natureza estava sofrendo ameaças de caçadores e madeireiros. Nesta ocasião, iniciei contato com a mata virgem, com trilhas, córregos, grandes árvores e as nuances diversas do verde. Entendi perfeitamente porque imagens falam mais que palavras. Quando comecei no jornalismo, sempre pronto para uma reportagem, levava comigo papel e caneta. Com o tempo, a câmera fotográfica se tornou imprescindível para meu trabalho, e chegou o momento em que não resisti ao fascínio das imagens. Assumi por completo a missão de registrar a beleza da fauna e flora do país, e, ao mesmo tempo, de combate e denúncia. Me dedico de corpo e alma. É como se estivesse na cauda de um cometa. Sinto-me a serviço e sou feliz com o que faço, o que é fundamental.
De tudo que já fotografou, qual foi a imagem que mais chamou sua atenção, pela beleza ou pela degradação?
Em 1980, em Manaus, tive uma experiência inesquecível. Estava no Hotel Tropical, fazendo um trabalho para uma empresa de revenda de pneus, quando ouvi dois garçons falarem de uma onça que estava perdida na região. Tive um daqueles pressentimentos, que me diziam que era para acreditar mesmo na coisa, na minha missão. E, verdadeiramente, me sentia pronto para acreditar. Fui de barco à procura da onça e consegui fotografá-la com parte do corpo submerso na água, mordendo um galho no Igarapé de Guedes. Vendi a foto para os revendedores de pneus e consegui comprar minha Nikon profissional. Mais que isso, aquela cena ficou para sempre na minha memória: a onça perdida que me atrelou ao povo e a natureza da Amazônia.
Araquém Alcântara (urubu na calçada)
Araquem Alcântara
Penso no futuro, na seriedade que é a possibilidade de faltar água doce no mundo. O Brasil tem o maior manancial de recursos hídricos do planeta. Fotografei rios, lagos, cachoeiras, peixes, pescadores e banhistas com um olhar crítico, para mostrar que precisamos cuidar de nossos mananciais. No caso da Chapada Diamantina, a região já foi devastada por exploradores de ouro e diamantes, agora nos resta tentar preservar sua diversidade biológica.
Você faz parte do Planeta Sustentável, Conselho que estimula a produção e difusão de conhecimento sobre sustentabilidade. Quais são suas perspectivas para o meio ambiente e para o futuro da Amazônia?
Embora se calcule que nada menos que 11% da Mata Atlântica tenha sido destruída apenas nos últimos dez anos, e que mais de 17% da Amazônia já foi devastada, prefiro continuar acreditando no mundo sustentável, na conservação ambiental. No caso da Floresta Amazônica, os desmatamentos na região têm gerado cada vez mais reações internacionais. Essa pressão externa deve ajudar a conter a degradação. Mas só vamos conseguir defender a floresta se toda a sociedade brasileira despertar consciência para o significado da Amazônia.
Sua produção fotográfica vai de um extremo a outro. Ao mesmo tempo em que nos revela o paraíso, através das belezas naturais, dá mostras do horror que é a miséria e o extermínio ambiental. O que estimula essa dualidade?
Fotografei a Mata Atlântica, 52 Parques Nacionais, a Chapada Diamantina, aldeias, índios, árvores, cores e sentimentos. Somos um povo privilegiado, temos paisagens exuberantes, rios, lagos, cachoeiras, peixes, águas doces e salgadas. Há muito tempo conclui que devo dedicar minha vida para registrar e repartir essas belezas. Considero-me um colecionador de mundos, que tem como objetivo arrebatar as pessoas com imagens das maravilhas do nosso país. Mas, da mesma forma, tenho um compromisso de apontar as duas faces distintas do Brasil: nossa natureza em estado puro e as devastações. Sinto que é preciso expor também os incêndios, a exploração insustentável dos recursos naturais, a relação desrespeitosa do homem com o planeta. Meu principal desejo é o de preservar nossos ecossistemas, por isso fotografo o que pode abolir nosso deslumbrante patrimônio natural. Não quero que a exuberância da nossa natureza, que deveria ser eterna, se torne apenas lembrança, material escolar no futuro, para que professores mostrem aos alunos como era o mundo em que viviam seus antepassados.
Araquem AlcântaraAraquem Alcântara
Como nasceu a idéia para seus mais recentes trabalhos, Águas do Brasil e Chapada Diamantina?
Penso no futuro, na seriedade que é a possibilidade de faltar água doce no mundo. O Brasil tem o maior manancial de recursos hídricos do planeta. Fotografei rios, lagos, cachoeiras, peixes, pescadores e banhistas com um olhar crítico, para mostrar que precisamos cuidar de nossos mananciais. No caso da Chapada Diamantina, a região já foi devastada por exploradores de ouro e diamantes, agora nos resta tentar preservar sua diversidade biológica.
No comments:
Post a Comment