Tráfico de animais silvestres é a terceira maior atividade ilícita do mundo
Por Georgiana de Sá/Matéria exclusiva para o Jornal Ambiente Hoje, da Associação Mineira em defesa do Ambiente
Os personagens dessa história são reais. Eles servem para explicar porque animais selvagens não são de estimação e que longe do habitat natural serão sempre prisioneiros.
Era uma vez uma pequena Irara, predador típico de florestas brasileiras, que nasceu nas montanhas da Serra do Espinhaço, em Minas Gerais. Talvez por ter sido abandonado pela mãe, não se sabe ao certo, o filhote fora encontrado no estacionamento de um clube, na BR 040, ao lado de seu irmão, que já estava morto. O biólogo Rodrigo Barata, 20, encontrou o bichinho, com receio de deixar o animal à própria sorte, resolveu ajudar. “Nunca pensei em comprar um animal silvestre ou manter um dentro de casa, mas tive medo que o filhote morresse. Ele parecia ter sido abandonado. Fiz o que achava certo”, diz Rodrigo para justificar porque decidiu levá-lo para casa.
‘Choriço’, como foi batizado, passou a viver no quarto do biólogo e, quando um pouco maior, foi para o canil da casa, apesar de permanecer solto na maior parte do tempo. “Eu o levava para passear na mata e brincava com ele, que vinha correndo quando eu chamava e me seguia para qualquer lugar”, recorda.
Para Rodrigo, acompanhar o processo de crescimento de um carnívoro, ver suas habilidades motoras se desenvolvendo e instintos de caça se manifestando, era bem interessante. “Ele se relacionava comigo como se eu fosse seu pai ou irmão, ficava perto e permitia abraços e beijos”. Mas, como diz o ditado, quem sai aos seus não degenera, o agitado predador, com seus dentes afiados, passou a morder os moradores da casa.
“Apesar do IBAMA ter concedido a guarda provisória da irara, até que fosse encontrado um lugar apropriado para sua destinação, o filhote pequeno e afetuoso começou a manifestar seu instintivo natural, conforme crescia, demonstrando que jamais seria um animal doméstico”, diz Rodrigo.
O comportamento selvagem de Choriço induziu o biólogo, mesmo já apegado ao bicho, a entregá-lo no Cetas - Centro de Triagem de Animais Silvestres, do Ibama - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente. “A relação de apego do Choriço era diferente dos cães, ele foi se tornando cada vez mais independente. Hoje, se achasse outro animal como este não o deixaria abandonado, mas avisaria imediatamente ao Ibama. Além de evitar o risco de ser autuado e levar uma multa pesada, criar animais selvagens em casa é bem perigoso”, conclui ele.
Daniel Vilela, médico veterinário e analista ambiental do Núcleo de Fauna Silvestre do Ibama, foi quem recebeu Choriço no Cetas. “O destino da Irara agora será um criadouro registrado no Ibama, local de recria, com condições de favorecer a reprodução do espécime. Como não aprendeu habilidades necessárias à sobrevivência na selva, o animal não pode voltar à natureza”. O analista diz que a captura e transferência de bichos silvestres interfere seriamente na biodiversidade, comprometendo a integridade ecológica do habitat nos quais se estabeleceram. “É bom lembrar que, não só o tráfico, mas a manutenção e guarda de animais silvestre é crime. A pena varia de 03 meses a um ano de detenção, além de multa”, alerta o veterinário.
Considerado a terceira maior atividade ilícita do mundo, o mercado ilegal de vida silvestre só é menos rentável que os tráficos de drogas e de armas. Para o Tenente Écio Belo, da 7.ª Companhia de Meio Ambiente, manter um bicho silvestre como animal de estimação é o mesmo que torná-lo prisioneiro. De acordo com ele, são pessoas desinformadas que querem adquirir animais valorizados por serem exóticos, pela beleza ou pelo canto, como é o caso dos pássaros, que alimentam esse tipo de comércio. “No Brasil, infelizmente, faz parte da cultura manter animais em cativeiros. Temos de trabalhar a questão da conscientização, a começar pelas crianças”.
O policial revela que, normalmente, os animais são capturados em regiões pobres, onde os traficantes aproveitam a mão-de-obra dos nativos para aprisionar os bichos. “Os animais são transportados especialmente por meios rodoviários. Pela localização geográfica e por possuir extensa malha rodoviária, Minas Gerais se tornou uma das principais rotas do tráfico de animais silvestres no Brasil”. Écio ressalta que para combater este crime ambiental é importante denunciar quem vende, comercializa ou mantém animais silvestres em cativeiros. “Em Belo Horizonte, o telefone da Polícia de Meio Ambiente para denunciar é 2123 1637”, avisa o tenente.
Cristina Chiodi, assessora jurídica da Associação Mineira de Defesa do Ambiente – Amda, participou da discussão da possibilidade de criação e comércio de animais silvestres como animais de estimação, no Conselho Nacional do Meio Ambiente - Conama. “Grande parte destes animais são incompatíveis com a vida doméstica. Alguns podem transmitir zoonoses, ter comportamento agressivo e imprevisível ou representar ameaça a outras espécies domésticas. Além disso, a dificuldade de adaptação ao cativeiro pode ser uma tortura para os animais, fadados a se alimentarem daquilo que o ser humano fornecer e a viver em recintos pequenos e impróprios. Jamais será possível fornecer ao animal silvestre a diversidade e o habitat que ele encontra na natureza. É preciso pensar no bem estar animal, antes de buscar de forma egoísta o entretenimento humano.”
Para a assessora jurídica, a maior parte dos casos de guarda de animais silvestres é bem diferente da história do Choriço. “eles são retirados da natureza, de seus ninhos ou de suas mães com propósitos comerciais, e submetidos a condições degradantes de transporte e aprisionamento. Pássaros em tubos de PVC ou empilhados em gaiolas minúsculos e macacos dopados para parecerem mansos, sem água e sem comida, são apenas alguns exemplos da crueldade dos traficantes e comerciantes”, lamenta.
Cristina Chiodi concorda com o Tenente Écio que as campanhas de conscientização contra o tráfico e a aquisição de animais silvestres são fundamentais para informar sobre os problemas decorrentes da retirada de animais da natureza. “Muitos dos adquirentes são bem intencionados, mas acabam prejudicando os animais, ao invés de ajudá-los. A melhor forma de proteger é não comprar ou levar para casa animais silvestres, já que isto apenas alimenta o tráfico e os maus tratos”, opina.
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